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Quais são as ações necessárias para tornar uma escola mais segura? A Árvore convidou a especialista Carolina Campos para debater a temática. Confira a seguir.
Estratégias para um ambiente escolar mais seguro
Infelizmente, situações de violência física e simbólica são uma realidade em muitas escolas brasileiras.
De acordo com o instituto DataSenado, 90% dos brasileiros temem que seus filhos ou pessoas próximas sofram algum tipo de violência no ambiente escolar. Em seu levantamento, o instituto também projetou que cerca de 6,7 milhões de brasileiros foram diretamente atingidos pela violência escolar.
Não há dúvida de que um ambiente seguro é indispensável para o processo cotidiano de ensino-aprendizagem e para o bem-estar de quem frequenta a escola. Por isso, a responsabilidade de garantir a segurança dentro da comunidade escolar é uma preocupação constante para os gestores.
Pensando nesse contexto desafiador, a Árvore convidou Carolina Campos, fundadora e diretora do Vozes da Educação, para uma conversa sobre as ações e estratégias para tornar as escolas ambientes mais seguros e com uma cultura de paz bem estabelecida. Veja a seguir a entrevista com a especialista.
1) Quais são os principais desafios que os gestores enfrentam na consolidação de uma cultura de paz e bem-estar nas escolas?
São vários desafios. Primeiro porque a gente tem um problema com protocolo, a maior parte das nossas escolas ainda não tem protocolo. A partir do protocolo você vai ter ali um fluxograma orientativo de ações que devem ser tomadas, de comunicações que precisam ser feitas, de pessoas que precisam ser informadas sobre um determinado ocorrido. E não adianta só você ter o documento do protocolo. Ele também é muito importante, claro, mas você precisa, sobretudo, ter uma formação para os profissionais da escola para eles saberem como usar esse protocolo. Essa é a primeira coisa.
Segundo, a gente precisa separar os acontecimentos de uma Cultura de Paz em três momentos: 1) os atos de prevenção; 2) os atos de ação, que é quando tem alguma coisa acontecendo na escola do ponto de vista de violência ou de uma situação de emergência; e 3) o momento pós evento.
Esse primeiro momento de prevenção é o momento em que a gente mais consegue fazer ações. Só que a maior parte dessas ações são de difícil execução, porque os gestores muitas vezes não conseguem executar. Eles têm um dia a dia de apagar incêndio, então acabam não conseguindo refletir sobre essas ações preventivas.
Essas iniciativas incluem, por exemplo, ações de engajamento parental, ações de transformação do clima escolar, ações de envolvimento dos alunos de grêmio estudantil, de gestão participativa democrática, de humanização das relações, enfim…. tudo isso para tentar tornar a escola um espaço melhor. Para o gestor, muitas vezes, fazer isso todos os dias é algo muito complicado, porque ele não sistematizou na rotina dele, que é uma rotina de apagar incêndios.
2) É fundamental que gestores atuem em prol da formação de sua equipe, afinal, eles desempenham um papel indispensável no cultivo de um ambiente escolar seguro. Considerando esse ponto da formação docente e demais membros da equipe escolar, o que o gestor não pode deixar de considerar?
A segurança se divide em quatro pontos na escola: o primeiro é a segurança física, que é quando o espaço físico da escola está seguro. Então, não vai entrar ninguém para cometer atos de violência e agressão. É preciso também um espaço emocionalmente seguro. Se um aluno quer chorar, ou se o professor ficar triste, alguém vai acolher. E sabe-se que alguém vai acolher. Existe essa segurança psicológica de saber que o acolhimento vai acontecer.
Um terceiro ponto é a segurança social. Isso diz respeito a se sentir parte, se sentir pertencente àquele grupo. E tem o quarto tipo, que é a segurança acadêmica. A gente fala muito pouco dela, mas é quando o aluno sabe que ele pode perguntar e ele não será questionado, ele não vai ser humilhado ou ostracizado. Ele não é questionado por não saber algo, ele se sente confortável o suficiente para perguntar e, assim, aprender.
A gente precisa fazer com que a formação docente contemple esses quatro tipos de segurança. Então, o gestor não pode deixar de considerar todos esses pontos nos momentos formativos. É muito importante que ele leve iniciativas práticas de como fazer a promoção desses quatro tipos de segurança no ambiente escolar.
3) De que maneira a integração eficaz entre a família e escola pode contribuir para a segurança na comunidade escolar como um todo?
O que a gente tem visto é que as ações de engajamento parental são absolutamente essenciais.
Quando a família tá dentro da escola e se une com a escola a partir da colaboração, e não nesse lugar de “Eu tô pagando, você tem que fazer”, ou então “Aqui são os meus impostos, você vai fazer desse jeito”... quando a família sai desse lugar de cobradora e a escola sai do lugar de devedora, a gente tem família e escola como pontes que colaboram entre si. Assim, a segurança daquele ambiente escolar funciona muito mais.
Uma coisa que a gente tem percebido é que escolas que têm situações de violência extrema normalmente são escolas cujo o clima escolar estava muito ruim. E o clima escolar muito ruim inclui essa ausência de participação dos pais na vida escolar dos filhos.
O Vozes da Educação tem feito algumas pesquisas que mostram que os pais querem muito participar. Muitas vezes, eles só não sabem como fazer isso. Por vezes, a escola também tem um olhar muito diferente, ela acha que o pai não quer participar. Então, quando a escola começa a oportunizar possibilidades dos pais participarem, o clima escolar melhora bastante.
4) Quando falamos de segurança escolar, é essencial falarmos também da prevenção de situações problemáticas. Que medidas preventivas os gestores podem implementar para evitar situações de bullying e violência escolar?
Então, as ações preventivas são as mais importantes, eu diria. Porque é a partir delas que a gente previne situações ruins, né? Então, a primeira coisa é você ter um clima escolar positivo, é ter um espaço em que professores se entendam, se gostem e se respeitem. E ter professores que gostem e respeitem seus estudantes.
Professores precisam entender que existem experiências adversas na infância, que são experiências potencialmente traumáticas. A gente viveu isso enquanto éramos crianças e os nossos alunos estão vivendo agora.
Então, por exemplo: divórcio dos pais, alguém na família com problemas de saúde mental – que pode ser uma depressão, uma ansiedade, que são transtornos muito comuns no dia a dia –, ou, então, alguém com alguma morte próxima na família, situações de negligência, abuso. Essas são situações potencialmente traumáticas na vida de uma criança e de um adolescente e são coisas que muitos de nós vivemos, né? Essas situações acabam se esbarrando.
Então, os meus traumas de infância enquanto educador vão se esbarrar nos traumas dos meus alunos. É importante que o professor entenda que estamos falando de traumas. Uma reação violenta não significa que aquele aluno odeia o professor. Não é isso, ele não odeia. Esse aluno está agindo do jeito que ele consegue agir, porque a situação que ele está vivendo é tão difícil, tão dura e tão cruel, que ele não consegue agir de outra forma com o professor – e não poderíamos esperar que ele agisse de outro modo.
Quando a gente vira essa chave na cabeça do educador, percebemos que há um sentimento de compaixão muito maior, a escola se torna um ambiente muito mais compassivo. Escolas cujos ambientes são mais compassivos acabam identificando alternativas de prevenção de situações extremas de violência com muito mais facilidade. A compaixão permite que a gente se abra para entender a dor do outro, para tentar de todas as formas não magoar aquele outro. Isso é algo que a gente vê como muito transformador no dia a dia da escola.
5) Como o gestor pode envolver a comunidade local ou órgãos e serviços públicos do entorno na promoção da segurança na escola?
É essencial que o gestor envolva a comunidade local. A gente precisa de uma rede de apoio nas escolas: o conselho tutelar, a polícia, agentes de saúde, UBS, hospitais, ONGs, todos os tipos de apoio que a escola puder receber são importantes. Da mesma forma que uma mãe, quando acaba de ter um filho, precisa de uma rede de apoio, de alguém que leve uma sopa, de alguém que limpe a casa ou até fique com bebê... com a escola é a mesma coisa.
Atualmente, a rede de apoio da escola está muito fragilizada. Os conselhos tutelares ainda estão muito fragilizados e o conselho tutelar é a principal rede de apoio, é para onde a escola vai recorrer na maior parte das situações emergenciais. Então, quando isso não existe, a escola fica muito sozinha, muito ilhada. E a escola que fica sozinha entra numa dinâmica de exaustão. Nessa dinâmica, os educadores vão entender que tudo são eles que têm que resolver e eles não têm tempo e energia para fazer tudo isso. É muito injusto cobrarmos dos educadores que façam tudo. O professor não é um mártir, ele está ali como profissional. Educadores precisam de uma rede de apoio.
Então, é fundamental que o gestor vá até a rede de apoio da escola e se apresente, troque telefones, estabeleça uma comunicação muito mais direta. Que faça reuniões periódicas com essa comunidade, que envolva o conselho tutelar, as polícias, os agentes de saúde e assistência social, ONGs, voluntários, enfim... essas pessoas precisam estar sempre juntas, e trocando.
É assim que eu vou entender, por exemplo, que se acontece alguma coisa na comunidade, com certeza isso vai reverberar dentro da escola e eu começo a antecipar situações. Essa rede de apoio da escola precisa ser construída e o gestor é um profissional essencial nessa construção.
6) O que deve ser considerado na elaboração de um fluxo de encaminhamento após situações de violência no âmbito escolar?
Uma das coisas que a gente tem que considerar é justamente um fluxo, né? Então: quem faz o quê, quem responde pelo quê? Quem fica com que chave? Quem fala com quem? Quais são as violências que a gente tá endereçando?
Uma coisa é se eu tenho uma situação de ataque dentro da escola, outra coisa é se eu tenho um furto ou roubo na escola. Situações de racismo, intolerância religiosa, de xenofobia, de bullying também são coisas diferentes. Eu preciso separar as violências porque a escola vive diversas violências, ela não vive só uma violência.
Se qualquer pessoa se sente violentada na escola, seja um educador, seja um aluno, seja um funcionário, essa pessoa precisa ser acolhida e ouvida. Como é que vai ser esse fluxo? Quem vai conversar? Em que momento? Como é que eu vou comunicar a secretaria de educação? Se for uma escola particular, como eu comunico a mantenedora? Eu tenho algum documento de registro para eu saber quantas ocorrências eu tive naquele mês? Pra saber se no mês anterior eu tive uma redução ou aumento do número de ocorrências com relação ao mês subsequente?
Esses fluxos precisam ser muito bem estabelecidos, e é algo muito particular de cada escola. Primeiro, eu preciso saber se estou falando de uma escola pública ou particular, depois eu preciso saber quantos alunos eu tenho na escola, quais são os educadores da escola, qual é a rede de apoio... preciso saber como eu faço para estabelecer o dia a dia, o fluxo de comunicação dentro daquela escola. Como eu faço para saber quem vai ser o responsável pelo quê? Quem são as eventuais pessoas que podem criar ali um grupo de funcionários e educadores que vão fazer os encaminhamentos, de uma situação de emergência, de uma situação de saúde mental? Esses fluxos precisam considerar todas essas variáveis.
Gestor, esperamos que essa entrevista tenha apoiado as suas reflexões sobre segurança na escola. Acesse também o nosso texto Violência contra o professor: qual o papel da gestão? para se aprofundar na temática. Até a próxima!