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Com a aprovação do projeto de reforma do Ensino Médio, as escolas têm realizado uma série de discussão entre estudantes e educadores para sua aplicação. Entre as principais alterações que a reforma prevê estão a ampliação gradual da carga horária (de 800 horas anuais para 1.400 horas).
Além disso, outra grande alteração está na grade curricular, de modo que o aluno tenha 60% das disciplinas do currículo obrigatórias (como português, matemática e educação física, por exemplo) e, o restante das disciplinas, optativas, para que o aluno escolha uma especialização entre as áreas de linguagem; de matemática e suas tecnologias; de ciências da natureza, de ciências humanas e sociais aplicadas, além de formação técnica profissional prevista na reforma.
Um dos grandes desafios do Novo Ensino Médio é preparar a geração atual para um modelo diferente do que já conhecemos. Para entender como isso é possível, entrevistamos Anna Helena Altenfender, especialista em Psicologia da Educação e superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec):
Com esse novo modelo de Ensino Médio, o Ensino Fundamental precisa se adaptar de alguma forma?
Sem dúvida e, para mim, essa é uma das grandes questões da reforma. Eu acho muito difícil pensar em uma reforma do Ensino Médio, sem pensar nos pontos de articulação com o Ensino Fundamental. Não existe na reforma nenhum apontamento para essa articulação. Como é que os alunos vão chegar ao Ensino Médio? Nós sabemos que os desafios do Ensino Fundamental não estão resolvidos, principalmente, do Fundamental II.
Basta olharmos para os indicadores do Fundamental II, indicadores de notas, a Prova Brasil, o Inep... Eles são indicadores que devem ser considerados e [por meio deles] a gente sabe que há sérios problemas de proficiência e de evasão que não foram resolvidos. Então, é uma lacuna importante na reforma, mesmo porque, de nada adianta fazer uma reforma no Ensino Médio, se não se resolver o grande gargalo, esse grande desafio que é o Fundamental II, que é o “ciclo esquecido”.
Os professores do Fundamental estão preparados para direcionar os alunos que irão para o novo Ensino Médio?
Essa também é outra questão crucial que não é tocada pela reforma, que é a formação de professores. É um assunto bastante debatido e que a gente tem até evitado retomar, mas que acaba sempre sendo trazido: a medida foi pouco discutida e pouco discutida com os professores. Não é previsto na reforma a formação dos professores para que eles possam discutir, compreender e pensar no que é preciso da parte deles nesse nível de ensino: a formação dos professores, tanto a formação inicial dos professores, quanto a didática específica de cada uma das áreas. Como os professores ajudam os alunos a aprender? Quais os diagnósticos que precisam ser feitos? Quais as intervenções que precisam ser feitas?
Qual é a maior dificuldade que os alunos podem enfrentar no novo Ensino Médio se o Ensino Fundamental não der a eles uma base adequada?
Uma das questões da reforma, por exemplo, é que os alunos podem escolher os seus percursos formativos. A princípio, é uma ideia interessante, mas para os alunos poderem escolher os seus percursos formativos, é importante que eles tenham o aprendizado adequado nas diferentes áreas do conhecimento. Não é o que acontece no final do Ensino Fundamental, a gente sabe disso.
Portanto, que escolhas os alunos poderão fazer, se eles não tiveram o seu direito de aprender, por exemplo, matemática adequadamente? Mesmo a proficiência em língua portuguesa está muito abaixo do esperado. Como é que eles vão fazer a escolha de matérias como sociologia, filosofia e história, se têm uma dificuldade imensa de ler e de produzir textos? Isso faz com que as escolhas não sejam escolhas reais, sejam apenas escolhas possíveis.
Quais as consequências disso em larga escala?
Se ela for implementada, é preciso estar muito atento porque eu acho que o outro grande risco que ela [a reforma] tem é o de aumentar as desigualdades educacionais que existem nas nossas escolas e deixar de promover a equidade, acirrando desigualdades sociais e educacionais, à medida que ela vai acabar beneficiando apenas os alunos que têm mais recursos financeiros, educacionais, culturais...
Então, eu acho que é um dos pontos de atenção. São alunos das regiões mais vulneráveis, que vêm de famílias com menos recursos culturais, menos recursos econômicos, que vão ter menos acesso, por exemplo, às escolas de tempo integral, que estudarão em escolas mais distantes, que terão menos condições de oferecerem os percursos, os itinerários formativos mais diversificados e que acabarão com uma possibilidade de escolha menor.
Nós temos que ficar muito atentos para o fato de que se ao ser implementada, essa reforma não vai acabar acirrando as desigualdades educacionais e sociais já existentes. Pode ser que justamente aqueles alunos que vêm das camadas menos favorecidas que acabarão prejudicados, que serão menos atendidos pela reforma.
Do que esses professores precisam para garantir uma boa base educacional para os alunos que irão para esse novo Ensino Médio?
professores precisam de muitas ferramentas de acompanhamento da aprendizagem dos alunos. Acho que essa é a melhor ajuda que pode ser dada, eles têm necessidade disso, no Fundamental e no Ensino Médio também. Mas no Fundamental II, acompanhar e garantir a aprendizagem é o grande desafio e eles precisam de ajuda para isso. Ou seja, não basta o professor entrar em uma sala de aula, dar a matéria, dar exercícios, aplicar a prova, corrigir a prova e devolver para o aluno.
É preciso que ao longo do processo ele acompanhe a aprendizagem, veja aquilo que cada aluno consegue e não consegue aprender e faça as intervenções ao longo do processo - porque às vezes, no final do bimestre, no final do semestre já é muito tarde para fazer as intervenções, o aluno já está bastante perdido no conteúdo, na matéria dada. É o acompanhamento no dia a dia, semana a semana, dos alunos. Isso é papel dos professores das diferentes disciplinas.